Poucos dias após a invasão bem sucedida do Complexo de Alemão e da Vila Cruzeiro, o governador do Rio Sérgio Cabral afirmou à Folha de São Paulo que vai levar o assunto da legalização das drogas leves à presidente Dilma Rousseff.
Segundo o governador, que jà defendeu essa posição em 2007 e 2008, “a repressão pura e simples não tem sentido”. Ele acha que a proibição “leva mais prejuizo do que uma ação inteligente do poder público”, evocando uma repressão que mata “inocentes”. Também afirmou que o dinheiro gasto na repressão poderia ser destinado a outras áreas.
Para Cabral, a legalização pode começar com a maconha, mas precisa ser adotada por muitos paises, porque “é um tema que merece a atenção dos chefes de Estado”.
O Brasil é o maior consumidor de drogas da America Latina
O Relátorio Mundial das Drogas 2009 publicado pela ONU estima que, no mundo, entre 143 e 190 milhões de pessoas fumaram maconha pelo menos uma vez em 2007, e nota que “o uso parece estar crescendo em muitos paises de America Latina e Africa”1.
Um relatório do governo americano mostra que o Brasil é o maior consumidor de drogas da América do Sul, com cerca de um milhão de consumidores de cocaína. Além disso, o pais divide fronteiras com dois paises entre os maiores produtores de maconha, o Paraguay e a Colombia: juntos, eles produzem cerca de 20,000 toneladas por ano.
Entre 2004 e 2005, o uso predominante anual da maconha no Brasil “mais do que dobrou, de 1% à 2.6% e – segundo as autoridades brasileiras, parece que seguiu crescendo os anos que seguirem”2.
Porém, a consumação de maconha segue ilegal, como explica uma coluna 'Perguntas & Respostas' da seção on-line da revista Veja,
“Consumir ou comercializar drogas no Brasil é crime. Porém, a legislação atual prevê punições distintas a usuário e traficante.
Ao primeiro, a lei imputa três tipos de pena: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade (de 5 a 10 meses) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Já a quem produz ou comercializa drogas, a lei atribui pena de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de 500 a 1.500 reais. Cabe ao juiz determinar a finalidade da droga apreendida - se para consumo pessoal ou comercialização -, o depende de inúmeros fatores, como a natureza e a quantidade da substância e os antecedentes do suposto criminoso“.
Reinaldo Azevedo, jornalista e blogger do site online da Veja é categoricamente contra a legalização, achando que os argumentos apresentados a favor são a “evidência da miséria intelectual” do país.
Ele afirma que “estudos demostram, por exemplo, que boa parte dos moradores de rua de São Paulo – e isso deve ser verdade em todas as grande cidades – são doentes mentais. Em alguns casos, a doença é efeito da droga; em outro, os males se conjugaram. ONGs chegam ao requinte de distribuir cachimbos para o consumo de crack e um kit com seringa, água esterilizada e outros apetrechos para o uso de drogas injetáveis. Só falta fornecer mesmo a droga. A suposição, sempre, é a de que, já que o consumo é inevitável, que seja feito de maneira segura”.
As preocupações do blogger são legítimas, embora ele não dê referências das pesquisas as quais se refere. Por enquanto, pode-se referir a um estudo que comparou os efeitos sanitários da maconha e de substâncias legais como o álcool e o tabaco.
Em 1998, a BBC revelou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) omitiu parte de uma pesquisa publicada no jornal New Scientist que tratava dos efeitos sanitários da maconha. A mesma mostrou que a maconha é menos um perigo de saúde pública do que o álcool ou o tabacco.
Os pesquisadores concluíram que a fumaça de maconha não necessariamente bloqueia as vias respiratórias ou impacta a função pulmonar. Além disso, eles afirmaram que a droga é menos aditiva do que o álcool ou o tabaco. O doutor Roger Pertwee, da Universidade da Aberdeen, declarou que “Tem poucas provas mostrando que a maconha é prejudicial no longo-termo”.
As comparações foram censuradas porque o jornal ficou receoso de que as conclusões da pesquisa dariam argumentos para quem queria legalizar a maconha6.
A descriminalização em Portugal : um sucesso inesperado
Em 2000, Portugal contava com quase 100,000 viciados aos entorpecentes ditos pesados, o equivalente a cerca de 1% da população total. Os governantes tomaram a decisão histórica de descriminalizar o uso de todas as drogas. O professor da Universidade de Kent, Alex Stevens, estudou o programa e declarou: “O desastre anunciado pelos criticos não aconteceu. A resposta foi simples: fornecer tratamento.
As drogas permanecem ilegais no país, mas as penas contra os usuários mudaram de natureza. Em lugar de enviar os usuários a tribunais criminais e à cadeia, os governantes preferiram impedir que as atividades permanecessem clandestinas. A questão voltou-se para a saúde pública
Funcionários da saúde fornecem agulhas frescas, cotonetes, pequenos pratos para preparação das misturas injetáveis, desinfetantes e preservativos. Uma pessoa pega com drogas, seja em pequena quantidade, é automaticamente enviada à sessões de consultas,palestradas profissionais legais, psicólogos e trabalhadores sociais. Faltar nas reuniões acarreta em multas ou tratamentos obrigatórios. Em casos graves, o adito é internado numa clínica de rahabilitação.
Segundo as informações dadas pela AFP entre 2000 e 2008, em Portugal houve pequeno crescimento no uso de drogas entre adultos, mas uma redução entre adolescentes e usuários 'problema' como aditos e prisoneiros. No caso da maconha, o número de usuários estabilizou-se em menos de 3% da população. Para as consideradas pesadas, a porcentagem abaixou para 0.3%. Quanto os casos em tribunal relacionados à drogas, esses caíram em 66% .
Por outro lado, parece que a decriminalização participou na tomada de consciência sanitária: durante o período, os casos encontrados de HIV cairam em 75%. Em 2002, quase 50% das pessoas com AIDS eram aditas; em 2008, o número caiu para 28%. No total, entre 2001 e 2008, o número de pessoas tratadas por adição às drogas aumentou em 20%.
“Foi uma escolha muito dificil [decriminalizar] porque o assunto da droga traz muitos preconceitos”, declarou o Primeiro ministro Jose Sócrates, que foi um dos arquitetos da nova estratégia. “Você precisa abandonar os preconceitos e adotar uma aproximação inteligente”.
1. UNODC:United Nations Office On Drugs and Crime, « World Drug Report 2009 », p. 89.
2Mesmo. p. 108.